Por Patricia Croitor
Quando minha primeira filha nasceu, eu não tinha celular. E não, isso não foi no século passado. Apesar de não ser tecnofóbica, não via sentido em ter um celular enquanto passava 12 horas do dia sentada ao lado de um telefone fixo.
Durante a licença maternidade ganhei o primeiro smartphone. Foi amor ao primeiro touch...podia fotografar, pesquisar coisas na internet, acessar as redes sociais, ler livros e notícias, conversar com amigos e tudo isso enquanto amamentava minha pequena nativa digital.
Não demorou muito para que eu encontrasse diversos aplicativos fofos, supostamente educativos e hipnotizantes para conseguir alguns minutos a mais de sono quando era obrigada a madrugar nas manhãs dos fins de semana. Foi quando percebi, com certo orgulho e espanto que, aos 2 anos de idade, a pequena já sabia localizar exatamente o que queria ver nas pastas do celular.
Assim, comecei a me interessar por uso de tecnologias, em especial das telas (TV, tablet, smartphones, videogames) por crianças. Em minhas pesquisas iniciais descobri que a maioria das pessoas que falavam sobre a notória relação de amor entre telas e crianças usava um tom alarmista e desesperador. Se nem Steve Jobs e Bill Gates deixaram seus filhos usufruírem da tecnologia que eles mesmos ajudaram a criar, quem seria louca de expor seus rebentos à tentação da maçã mordida?
Em geral, a preocupação dos especialistas e palpiteiros de plantão limitava-se ao tempo de exposição às telas, e aos possíveis malefícios à saúde associados ao seu uso, como danos à visão, má postura, atrasos no desenvolvimento, problemas de atenção e socialização. Mas pouco ou nada se falava a respeito de conteúdo.
Dessa forma, guiada pelo instinto, fui tentando conciliar o que já havia aprendido sobre maternagem, criação com apego, disciplina positiva, nutrição e tantos outros temas nos quais nos tornamos “especialistas” quando viramos mãe, e tentei adaptar ao uso das telas.
Um exemplo simples: sabendo que a refeição em família é algo importante para o desenvolvimento de várias habilidades da criança, além de promover uma melhor alimentação, as telas eram proibidas à mesa. Nada de Ipad no restaurante, nada de comer em frente a TV.
Claro que eu me valia desse recurso maravilhoso e sempre à mão que é o smartphone em momentos críticos em que eu realmente precisava de silêncio e controle, me certificando de que, em estado de transe, meus filhos estariam imobilizados ao meu lado, quietinhos, enquanto eu resolvia alguma pendência.
Mas, meus dias de relativa paz estavam contados...Criação de filhos é como jogar videogame (para usar uma metáfora em linha com o tema): conforme você passa de fase, o jogo vai ficando mais difícil. E foi quando eles cresceram um pouco que o conteúdo se tornou mais importante que simplesmente controlar o tempo de exposição.
Quem tem filhos pré-adolescentes já sente o frio na espinha subindo: são muitos os perigos dessa vida...e mais numerosos e acessíveis ainda os perigos que um sinalzinho de wi-fi pode representar na vida de crianças e adolescentes sem capacidade cerebral de antecipar riscos e perigos.
Como eu não acredito que ignorância é benção, minhas pesquisas maternas evoluíram para conhecer novos medos: cyberbullying, grooming, sexting, sextortion, phishing, revenge porn, trolling, roubo de identidade, sequestro digital, distração digital, depressão e aumento de índice de suicídio entre adolescentes por uso excessivo de mídias sociais, déficit de sono e alimentação comprometendo o desenvolvimento saudável de gamers, transtorno de dependência da Internet, e a lista continua e assusta. (Vou poupá-los da lista de crimes cibernéticos a que tive acesso em razão da minha profissão)
Mais uma vez constatei que a tônica era alarmista e apocalíptica, oferecendo pouco ou nada além de desespero irracional. Mas, como se sabe, o gênio saiu da lâmpada e para lá não vai voltar! Se não pretendemos nos mudar para algum lugar do mundo em que ainda seja possível o isolamento total, temos que aprender a viver de maneira equilibrada com toda a tecnologia que a cada dia nos traz, na mesma proporção, facilidades e riscos.
Então, onde buscar conselhos sobre criação de filhos em meio aos perigos digitais, se minha mãe não conseguia nem ligar o videocassete sozinha na década de 1990? Se eu mesma tenho dificuldades para me desconectar, maravilhada com o mundo inteiro entre os meus polegares?
Como instruir as crianças a se comportarem no mundo digital? A usarem as redes sociais com responsabilidade, ética, empatia e cidadania? A não somente se defenderem, mas também se posicionarem contra situações de cyberbullying. Em tempos de vidas instagrámaveis, como ensinar nossas crianças e adolescentes a não exporem suas intimidades indiscriminadamente, de modo que possa afetar para sempre sua reputação digital, a não acreditarem na vida editada e “photoshopada” das celebridades e youtubers a ponto de se deprimirem com a vida real que levam? Como ensiná-los a discernirem as notícias bizarras circuladas nos grupos de Whatsapp?
Como estimular nossos filhos a usarem a tecnologia para melhorar a vida das pessoas, ao invés de apenas queimar tempo vendo tiktokers dançarem a mesma música 700 vezes? A terem equilíbrio com o uso de telas sem comprometer as atividades indispensáveis para um crescimento saudável, como sono, boa alimentação, atividades físicas, brincar ao ar livre, interagir com a família e amigos, etc.?
Fato é que nós, adultos, temos dificuldades provavelmente em todos os pontos mencionados acima. Não raras vezes praticamos a parentalidade distraída que tanto condenamos, muitas vezes não vemos a hora de ter um tempinho livre para poder rolar e rolar as páginas dos nossos feeds em paz.
O filósofo estadunidense Jordan Shapiro, em seu livro “The new childhood: raising kids to thrive in a connected world” (“A nova infância: criando filhos para prosperar em um mundo conectado”, em tradução livre), defende que crianças de 6 anos ou até no máximo 8 anos de idade deveriam ter seus próprios telefones celulares e acesso às redes sociais.
A justificativa é tão plausível quanto controversa: o poder de influência materna e paterna vai se diluindo à medida em que chega a adolescência. Um adolescente, em geral, pensa que sabe muito mais que os pais sobre qualquer assunto. Já uma criança entre 6 e 8 anos tende a acatar mais o que é dito e recomendado pelos pais, e essa seria uma oportunidade de ouro para, juntamente com a criança, começar a navegar no mundo digital podendo influenciá-los e orientá-los na construção de sua rede social.
Mas toda essa responsabilidade não pode recair apenas nos já cansados e sobrecarregados ombros maternos! É onde entra o importante e imprescindível papel da Escola. Com didática, conhecimento e contínuo acesso à atenção não dividida das crianças, uma professora tem a oportunidade de educar digitalmente os adultos do futuro, a promover o uso produtivo das tecnologias disponíveis, a orientá-los a se movimentarem no mundo virtual com segurança, sabendo se proteger e não violando direitos alheios.
Educação Digital, Cidadania Digital, Ética digital, Inteligência Emocional Digital, Direitos Digitais, Segurança Digital, entre outros, são temas que devem ser inseridos urgentemente nos currículos escolares do Ensino Fundamental. É nosso papel, como pais, apontar essa necessidade nas reuniões escolares e reivindicar que este assunto tão importante seja trabalhado junto aos alunos, para que em conjunto, possamos aprender e ensinar a conviver com a tecnologia de maneira positiva.
Patrícia Croitor, é mãe de dois nativos digitais, advogada e apaixonada por Direito Digital e Educação Digital.
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