Por Patrícia Croitor
Outro dia eu conversava com uma amiga sobre o provérbio africano “É preciso uma aldeia para criar uma criança” que é repetido como um mantra materno. Mas vá você, rede de apoio, dar algum palpite na criação dessa criança pra ver a patada que você leva!
Para que a aldeia cumpra seu papel, é importante que se permita certas intromissões, se ouçam conselhos e, principalmente, se troquem experiências e pontos de vista.
Por isso, escrever um texto com “dicas” sobre o uso seguro das redes sociais é pra mim muito custoso. Te dou um exemplo: minha filha tem conta no TikTok desde os 9 anos e o perfil dela é aberto. No idioma do aplicativo, ela “bateu 14k” (tradução: obteve 14 mil seguidores). Ou seja, ela não tinha idade e ainda não tem para estar no TikTok. As configurações de privacidade dela permitem que estranhos a sigam e se comuniquem com ela. Mas sabe o que realmente me incomoda nessa história? O fato de ela ter mentido a idade para se cadastrar na rede, e ter feito isso sem meu conhecimento. Assim, você aceitaria meus conselhos sobre privacidade?
Não digo que não tivemos crises e que o uso do aplicativo não tenha sido cortado em várias ocasiões e por diversas razões, inclusive uso excessivo e prejudicial (isso foi lá pela 2ª temporada da pandemia). Também não quero te dar a impressão de que minha filha é mais madura ou mais esperta: cada um sabe onde o sapato aperta. E minha decisão de permitir que ela mantivesse a conta me trouxe muito, mas muito mais trabalho, pode acreditar.
Autodeterminação informativa, conceito trazido pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) passa por isso: ter controle sobre o que é feito com seus dados e por quem. E para controlar, é preciso conhecer. Então, meu único conselho seria: conheça as regras e configurações de privacidade dos aplicativos que você, dentro do teu contexto, da tua realidade, dos teus valores, permitiu que seus filhos frequentassem.
Mas eu valorizo, e muito, a privacidade. Para mim é um valor a não divulgação de informações íntimas: não gosto que conte onde está, fazendo o que e quando. Não gosto de fotos para fins de biscoito, que são aquelas que você posta esperando os comentários “linda”, “perfeita”, “maravilhosa” que servem como uma micro dose de lifting na autoestima. Aqui em casa o povo já sabe: elogio e crítica são ventos, são brisas. Elogio é uma brisa suave e gostosa, críticas são ventos gelados, cortantes. Mas ambos passam, o vento e a brisa passam.
Não deixo usarem a geolocalização. Conversamos muito sobre estranhos e como não podemos confiar em avatares, a facilidade com que um homem perverso se passa por uma adolescente que fala e pensa como você. Sempre que encontro, mostro casos tenebrosos de crianças enganadas por meses por um querido desconhecido na Internet.
Enfim, com base nos meus valores eu ajusto as configurações de privacidade das redes sociais que eu e meus filhos usamos. E converso. Converso muito. Converso demais. Converso o tempo todo. E converso com praticamente todas as crianças que encontro por aí. Jogo games, aprendo danças, compartilho posts com eles. Eu tô lá, no mundo deles com eles, infiltrada. E eles sabem que, com relação a mim, não devem ter qualquer expectativa de privacidade.
Algumas dicas de segurança, porém, não são uma questão de valores e costumes. Por exemplo: tenha uma senha diferente para cada aplicativo. Senhas fortes, longas, alfanuméricas e com caracteres especiais. Haja criatividade! Mas é espantosa a facilidade com que os hackers, usando engenharia comportamental, conseguem desvendar grande parte das senhas usadas. E aí é ladeira abaixo para o estrago.
Proteja seu dispositivo: coloque senha para abrir seu celular, computador e tablet. Se algum desconhecido lhe oferecer links ou mensagens, não apenas o ignore. Bloqueie esse contato para que outro usuário desavisado não caia nessa pescaria e a rede possa removê-lo.
No WhatsApp, alvo de tantos golpes, ative a autenticação de duplo fator. É só ir em Configurações > Conta > Verificação em duas etapas > Ativar.
Seja curioso! Investigue nas configurações do celular, do computador, de aplicativos, de redes sociais, de sites e de navegadores maneiras de tornar sua navegação mais segura e preservando sua privacidade. É recomendável retirar as permissões desnecessárias ou excessivas: seu app de música não vai melhorar sua experiência através da sua localização e o app do banco não vai ter uma usabilidade mais agradável tendo acesso aos “sensores corporais”, não é mesmo?
Em celulares:
Android – vá em Configurações > Aplicativos > Permissões dos Aplicativos.
iOS (Apple) – vá em Ajustes > Privacidade.
Por fim, uma dica que considero muito boa: nada de usar computador, Ipad e celular sozinho no quarto. Computador fica com tela virada para uma área aberta. Se está no celular, fica no meio da família. Assim é mais fácil ouvir os conteúdos que eles acessam e detectar comportamentos estranhos (tipo troca rápida de tela quando você aparece). De vez em quando dá uma fuçada nas conversas e chats.
E, lembre-se: há sim riscos e perigos nas redes sociais, mas risco não significa necessariamente dano. Precisamos preparar e munir nossas crianças de informação para que eles aprendam a fazer as melhores escolhas, na Internet fora dela.
Patrícia Croitor, mãe de dois, advogada especializada em Propriedade Intelectual e Direito Digital, idealizadora do projeto Impressão Digital – Educação para Cidadania, voltado para as famílias, educadores e crianças e adolescentes. Para falar com a Patrícia, envie um e-mail para patricia@croitor.com
Ilustração: Caio Borges
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