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Privacidade e Sharenting

Atualizado: 31 de ago. de 2021

Por Patrícia Croitor


Embora atualmente seja bastante citado na nossa sociedade da informação, o direito à privacidade é relativamente novo. Surgiu no século XIX, junto com a fotografia e o poder de disseminação que esta nova tecnologia conferiu à imprensa.


A privacidade é objeto de proteção de várias leis brasileiras e internacionais, a começar pela Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A proteção da privacidade é também princípio norteador do Marco Civil da Internet e da nova Lei Geral de Proteção de Dados.


Toda essa proteção é importante em função de a privacidade e a intimidade do indivíduo serem entendidas como espaço para o livre desenvolvimento da personalidade, dignidade e exercício da cidadania.


Apesar desse respaldo legal, o Brasil ainda não tem uma cultura de proteção de dados.

Somos um povo naturalmente aberto e expansivo. Ademais, privacidade é um conceito de difícil assimilação pelas mães. Como disse a especialista em Educação Positiva, Maya Eigenmann, em seu perfil no Instagram: Quando eu falo que vou fazer xixi, meus filhos entendem ‘Galera, reunião de família lá no banheiro, agora!’


A maternidade torna difícil discernir onde começa o filho e termina a mãe. E essa é uma das explicações pelas quais acredito que o Sharenting se tornou mais uma regra que uma exceção no mundo das redes sociais.


A origem da expressão criada em 2012 não é apenas a combinação de “share” — compartilhar com “parenting” — parentalidade. Ela surgiu inicialmente do termo “oversharenting”, com ênfase no “over”, ou seja, excesso de compartilhamento de fotos, vídeos e informações de pais e mães sobre seus rebentos.


São raríssimas as pessoas que nunca postaram fotos de seus filhos em alguma das redes sociais para que os familiares e amigos pudessem participar desse momento tão assombroso e deslumbrante que é a chegada de uma criança ao mundo. As redes sociais são também um oásis para aqueles que vivem distantes de seus amados.


Mas quando a exposição nas redes sociais deixa de ser uma maneira saudável de viver em comunidade e se torna um perigo? Como antecipar que aquele vídeo engraçado de seu filho falando errado, de sua filha de bumbum de fora vai viralizar ou, pior, cair nas redes podres de pedofilia online? Como saber que sua criança, quando se tornar adolescente, pode se tornar alvo de bullying graças a uma postagem sua? Como nascem os memes? E, ainda mais importante, como ensinaremos nossos filhos a medida equilibrada de exposição quando eles forem os usuários de redes sociais (se já não são)?


Infelizmente não há respostas simples. Somos a primeira geração de mães e pais a criarem seus filhos na era das redes sociais. Para mim, a maternidade é estar constantemente no “cantinho do pensamento” da super nanny. Pensar, problematizar, conhecer experiências de outras famílias é um esforço cansativo que não dá para abandonar. Não dá para ligar o piloto automático e descansar.


Um bom exercício é fazer um paralelo com sua vida offline, lembrando que não existe “vida real” e “vida virtual”, existe mundo online e offline e ambos são vida real!

Assim, não saímos por aí contando detalhes de nossa vida pessoal para estranhos na rua, nem damos nosso endereço, telefone, ou contamos onde estudam nossas crianças e onde passamos os finais de semana. Também não costumamos permitir que nossos amigos divulguem essas informações sobre nós a estranhos. Isso porque aprendemos desde cedo que esse comportamento pode nos causar danos, pois facilita a ação de pessoas mal intencionadas e golpistas.


Na Internet não é diferente! É ainda pior, pois o fluxo de informações é muito mais intenso e as fronteiras geográficas não são mais barreiras.


De todos os riscos e os perigos sobre os quais inúmeros artigos como estes já discorreram (sequestro virtual, sequestro real — alô anos 90!, Cyberbullying, entre outros) os que mais me assustam são a vulnerabilidade à manipulações de grandes corporações e as consequências emocionais e psicológicas causadas pela superexposição na Internet.


É constante o debate na comunidade de profissionais de saúde mental sobre os limites que devem ser impostos aos adultos ao compartilharem informações sobre crianças, passando por análises sobre os impactos emocionais e subjetivos e o stress e ansiedade gerados por serem alvo de constante apreciação pública.


Há também a preocupação sobre a construção de uma memória pública e registro imagético (o tal “rastro digital”) que não se sabe como será usado em outros períodos da vida da pessoa.


Como identidade é um tema que me fascina, o risco de interferência no processo de entendimento que a criança constrói de si mesma é também motivo da minha preocupação materna. Ao montar um mosaico perfeito de imagens, vídeos e informações, sob sua perspectiva, olhar e desejo, os pais ajudam a forjar a identidade da criança que, por sua vez, tende a querer agradar os pais. Fora o risco de perda da espontaneidade (a famigerada “cara de foto”).


“O inferno são os algoritmos”, diria o filósofo, com as configurações devidamente atualizadas. Acabamos expondo precocemente nossos filhos e filhas como alvos fáceis de manipulação (comercial, política) já que, quanto mais dados de uma pessoa estão disponíveis online, mais precisamente é traçado o seu perfil. E não, não vou eu citar “O dilema das redes” porque sei que você já pensou isso.


Muitas são as dicas que conhecemos e que tantas vezes não seguimos. Dicas simples e sensatas como “pense antes de postar”, verifique as configurações de privacidade das redes sociais que você usa, não compartilhe a localização física da sua família em fotos, não compartilhe imagens de crianças nuas ou seminuas (lembrando que o grupo de whatsapp da família é uma rede social, das mais perigosas, inclusive!), e por aí vai…


Mas nesse momento, em que tenho filhos maiores, que já perderam aquela barriguinha estufada e a curva no perfil que só os bebês têm, me parece que dar conhecimento e poder de veto sobre o que pretendo postar sobre eles seja meu exercício de escolha atual.


Essa prática, quero crer, tem ensinado a eles sobre respeito mútuo, sobre a importância do consentimento, o senso do que é ou deve ser privado e o que pode ser público, e como é fundamental ter bom senso e boas maneiras no mundo online para que eles deixem não um “rastro digital” inapagável mas que construam desde já sua “impressão digital”, ou seja, seu sinal único e pessoal, uma identidade online que seja o mais próxima possível da offline.


ps.: a foto que ilustra esse texto foi publicada com autorização da pré-adolescente.


Patrícia Croitor, mãe de dois, advogada especializada em Propriedade Intelectual e Direito Digital, idealizadora do projeto Impressão Digital – Educação para Cidadania, voltado para as famílias, educadores e crianças e adolescentes



Créditos da Imagem: © 2020 Patrícia Croitor (menina sentada na cama olhando o celular)


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