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Como é ser um adolescente negro em uma escola de brancos

Seis adolescentes negros contam como se sentem ao frequentar escolas particulares da capital paulistana onde 90% dos alunos são brancos. Confira os depoimentos na matéria da Carolina Delboni, colunista do Estadão.



Raquel Liberman Lopes, 18 anos, ex-aluna Escola Vera Cruz “Fui adotada com meses e fui introduzida na classe média alta (lugar que originalmente não me pertencia) e, portanto, convivi minha vida toda com brancos. Demorei 15 anos para me entender como negra e isso só aconteceu a partir do meu primeiro contato com professores negros. Ser negro dentro de uma escola majoritariamente de brancos é “não ser negro”.

O medo de ser diferente sempre conviveu comigo, então desde pequena busquei ficar o mais parecida possível com minhas amigas. Era uma busca incessante pela branquitude. Ser uma das únicas alunas negras da minha escola me mostrou o quão forte eu posso ser, e ao mesmo tempo, como posso transformar o meu redor com essa potência. Vestir a pele negra no ambiente branco pode ser muito solitário. Sinto muito a falta de colegas parecidos comigo, que ao invés de escutarem e ficarem sentidos com minha dor, saibam o que eu passo e compartilham das mesmas vivências.


Luís Fernando Souza Dória, 15 anos, Colégio Santa Cruz “Os negros que trabalham na minha escola são funcionários de limpeza, cantina, segurança e tenho pouquíssimos colegas de classe. Nunca tive um professor negro. Mesmo os professores abordando o racismo, sinto que muitas vezes estão despreparados e não despertam o interesse dos alunos. Sou capaz de apostar que, caso feita uma pesquisa, a maioria dos alunos não tem ideia sobre o que aconteceu em Palmares. Digo isto para reforçar que os conteúdos sobre a história dos negros precisam ser melhor abordados.

As pessoas que vejo tratando sobre o assunto sempre são brancas, o que me incomoda bastante. Gostaria de um ambiente acadêmico com uma maior diversidade.

A potência está em aprender a não se submeter. É um exercício diário. Quanto mais nos reconhecemos como negro (ainda que eu tenha muitos privilégios), somos capazes de nos fortalecer para o enorme trabalho que temos pela frente.”


Isabela Medeiros Rodrigues, 19 anos, ex-aluna Colégio Miranda “Estudei toda minha vida em escolas particulares e acontecia o mesmo fenômeno: a falta de reconhecimento do problema estrutural do racismo. Desde o início, sofri uma perda de certa identidade diante das diferenças fenotípicas. Isso ocorreu por meio das minhas características físicas, como o cabelo cacheado. Me sentia na obrigação de tentar me encaixar nos padrões deixando-o sem muito volume ou até mesmo “mais liso”, o que fazia com que eu não aceitasse a sua condição natural.

Esses problemas estruturais ficaram cegos diante dos meus olhos durante todo o período. Muitas vezes, também me questionei sobre quem eu realmente era e como deveria avaliar o meu tom de pele. O que mais me chocava era chegar em alguns locais e algumas pessoas comentarem: “nossa, como você é uma morena bonita”, “o seu tom de pele é muito lindo”. Não entendia o porquê desses comentários. Hoje vejo que as pessoas estavam tentando demonstrar menos estranhamento diante do racismo que elas têm enraizado em si. Vestir uma pele negra é a tentativa, constante, de tentar ser aceito socialmente.


Giovanna Souza de Freitas, 16 anos, Colégio Santa Cruz “Ser negro em uma escola particular e predominantemente branca, apesar de ser um avanço, significa a imensa desigualdade racial no país. Não é um símbolo de poder, afinal, de que adianta um negro bem-sucedido enquanto vários outros estão na miséria? É apenas um oprimido tornando-se um opressor.

Mas dar um ensino de qualidade para alguém vulnerável na sociedade é de profunda importância para mudar a realidade atual. A educação é um dos grandes pilares para melhorar a vida de todos. Ações atuais que vem promovendo a equidade racial, como a oferta de bolsas integrais para alunos negros em escolas particulares, é uma atitude ativa para mudar as condições de vida atuais dos negros.

Acredito que os jovens negros, ao ingressarem uma escola particular, devam ter um psicológico preparado para lidar com possíveis situações desagradáveis, além de possuírem a força de vontade para trazerem outras perspectivas aos alunos, em sua maioria brancos. A esses alunos, peço que abram a mente para o que os bolsistas têm a dizer. Ainda que tenham certa consciência dos preconceitos e a marginalização do povo negro e periférico, vocês possuem apenas um conhecimento teórico, e o que nós temos a dizer vai além do que é teórico. É realidade”.


Nicolas Fernandes Leite, 15 anos, aluno do Colégio Anglo 21 “Tenho ânsia de aprender e já fui muito julgado porque gosto de matérias que os “brancos” julgavam mais difíceis. Já passei por escolas muito diferentes, mas nunca deixei o racismo me coagir e sempre segui em frente sabendo que não existe limite para o quão longe eu possa ir.

Acho que vestir a pele negra é algo que muitos sabem superficialmente, mas poucos querem saber realmente. Para muitos negros é um fardo. Ter que se dizer negro na pele negra é o primeiro desafio a ser encarado. E é preciso se identificar como negro antes de saber o que realmente é viver nessa pele e isso não é algo que um branco poderá vir a entender. Uma coisa que poucas pessoas sabem é que por trás do medo, criamos cada vez mais coragem porque é daí que temos que tirar forças para pensar que o ‘quadro da cena’ um dia vai ser nosso.”


Daniela Maciel, 18 anos, ex-aluna da Escola Vera Cruz “Praticamente minha vida toda estudei em uma escola majoritariamente composta por alunos e funcionários brancos. Estar imerso neste meio desde muito nova, acaba te fechando os olhos e tudo se torna muito natural, até mesmo o racismo velado. Inicialmente as diferenças podem até se mostrarem “invisíveis”, mas com o passar do tempo elas se mostram cada vez maiores, sejam nos traços fenotípicos ou até mesmo na maneira como te reconhecem. O maior problema começa aí. A vontade de ser igual aos demais e a falta de representatividade te faz mudar coisas e perder sua verdadeira identidade. “


João Gilberto Dias de Jesus, 16 anos, Colégio Oswald de Andrade “A minha presença na escola mostra para meus colegas um pouco da diversidade cultural do país. Felizmente meus pais podem me manter na Escola, mas com certeza para tornar uma potência deveria dar oportunidades a outros negros através de programas de inclusão.

Me choca ver jovens negros abordados pela polícia. Sempre penso que pode estar ocorrendo uma injustiça e sei que pode acontecer comigo também. O Brasil é um país muito preconceituoso e temos que lutar para mudar o sistema. As bolsas nas escolas particulares são muito importantes para corrigir uma dívida que é histórica. Mas os alunos negros terão que superar, não somente a questão racial, mas também a financeira e social. E os alunos brancos deverão entender como uma correção histórica, precisarão entender a realidade do outro e fazer o possível para que todos se sintam parte do grupo”.



Imagem: Wix

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