Por Mariana Ruske Arantes Pereira
Introdução
Para discutir os pilares do Método Montessori, precisamos, como tudo na vida, entender a origem do Método. Como e de onde ele nasceu, o contexto da sua existência fundamental. Uma vez compreendido o cerne do Método, seus princípios e argumentos desdobram-se com fluidez.
Neste Ensaio não irei conversar sobre detalhes da vida de Maria Montessori, mas do contexto que originou o Método.
No final do século XVII John Locke defendia o conceito de “tabula rasa”. Acreditava-se que a criança era uma “folha em branco”, ou “disco virgem”. Acreditava-se que não nascíamos com nenhuma “bagagem” ou qualquer capacidade mais sofisticada, e que caberia, portanto, à sociedade, escola e família “moldar” a criança. Os adultos eram os responsáveis por todo o processo de injetar conteúdo e ensinamentos, comportamentos e pensamentos, nas crianças. As crianças eram, portanto, passivas e meras receptoras e informação.
Foi com a chegada do Construtivismo que este entendimento começou a se alterar. Os pedagogos, filósofos e psicólogos começaram a estabelecer que a criança não era um ser passivo no processo de aprendizagem, que ela era, de fato, extremamente ativa e líder do seu desenvolvimento. A criança era capaz de se construir, não apenas em corpo físico, mas também em seu aspecto mental, suas emoções, sua inteligência, seu intelecto.
Maria Montessori participou deste movimento Construtivista, e foi além. Ao notar a busca da criança por exercícios e experiencias no ambiente, ela detalhou o processo de aprendizagem. Ela identificou e nomeou os Períodos Sensíveis e a atuação do Guia Interior, recursos que hoje a Neurociência chama de “Núcleo Basal”. Em um terceiro momento Montessori, preparada com todo o seu repertório observacional, desenvolveu seu método. O método é um reflexo do funcionamento do cérebro. Imagino que ela se perguntou algo do tipo “Uma vez que conheço bem o processo natural de aprendizagem do cérebro humano na primeira infância, como posso preparar o ambiente e a relação com os adultos para que destas a criança possa extrair todo o conhecimento e informações que ela busca? O que esse ambiente deve apresentar de experiencias e oportunidades para que a criança encontre o que seu cérebro pede, que possa exercitar seus interesses espontâneos da forma mais saudável e rica possível? E o papel do adulto, qual deve ser?”
Sendo assim, Montessori desenvolveu seu método pensando no cérebro. Na maneira que ele se desenvolve, no que ele precisa. O método não segue o que é conveniente para o adulto ou qualquer instituição ou pensador, ele prioriza a maneira que o cérebro pensa, seus mecanismos de aquisição e aprendizagem, sua essência. Esta é a beleza e a chave da sua eficiência. Como disse o Doutor Steven Hughes, “Montessori is the original brain based method” (um método baseado e fundamentado no cérebro, em tradução livre).
Com isso em mente podemos então explorar seus pilares compreendendo a contribuição e importância de cada um dentro do Método Montessori.
Os Pilares do Método Montessori
É difícil separar aspectos do método e falar sobre eles de forma individual, tudo é entrelaçado, causa e consequência. Mas devemos estabelecer um começo, então que assim seja! Vamos começar pela base, pelo Ambiente Preparado.
O Ambiente Preparado não é apenas uma sala bonita onde a criança alcança tudo e pode “mexer” em tudo. O ambiente preparado vai bem além disso. O Ambiente preparado é um ambiente que antecipa as necessidades da criança. Ele é pensado para que a criança encontre ali recursos para exercitar e sanar necessidades pedagógicas, ele convida a criança a trabalhar em uma linguagem clara, para ela. Ele permite à criança aprender no seu tempo. Ele estimula, mas de forma passiva, não apressa, não pressiona, mas sim disponibiliza o que aquela criança busca para se construir. Ele apresenta oportunidades e desperta fagulhas.
Quando eu penso em ambiente preparado gosto muito de usar o exemplo do desfralde. Sabemos que, em média, uma criança se desfralda entre 1 e 3 anos. Quando um filho nasce, não sabemos se o momento natural do desfralde acontecerá com 1, 1.5, 2, 2.5 ou 3 anos. Ninguém sabe. Este é um processo sistemático que inclui tanto o controle de esfíncteres, quando o interesse e entendimento do uso do banheiro, quanto o amadurecimento emocional. É um grande desserviço à criança fixar uma data “no verão, ou nas férias” para iniciar o desfralde. Não é o adulto que determina esse momento, e sim a criança. Sendo assim, o ambiente preparado tem um banheiro. O banheiro está dentro do ambiente, não há barreiras, não há que pedir que ninguém te leve até lá. Ele é facilmente acessado pela criança. Está pronto para ela. Ele fica lá, esperando. A criança pode observar outras pessoas usando este banheiro, como adultos (seus pais, em casa) ou outras crianças já desfraldadas (na escola, ou em casa). Observar o uso do banheiro é o estímulo que essa criança precisa para iniciar seu desfralde quando o dia chegar. Esta observação, ao mesmo tempo que estimula passivamente, também ensina. A criança nota os passos necessários para usá-lo observando outras pessoas. Quando estiver pronta, ela mesma irá buscar o banheiro e saberá utilizá-lo, com naturalidade. O mesmíssimo processo acontece em Movimento (aprender a andar, por exemplo, ou comer com o garfo), Matemática, Geografia ou Linguagem. Temos, portanto, um ambiente convidativo e paciente que viabiliza que a criança encontre e exercite, no seu tempo, os passos do seu desenvolvimento.
Temos aqui, portanto, um bom momento para falar de Agrupamento de Idades. Crianças aprendem observando e interagindo. Muito se aprende com o adulto, mas muito também se aprende com outras crianças. Quando a criança tem acesso a outras de idade levemente maior ela pode aprender coisas que estão mais “próximas” a ela (engatinhar, por exemplo). No exemplo do desfralde que utilizamos acima, são as crianças desfraldadas que ensinam o uso do vaso para as mais novas. É através da convivência em salas de idades mistas que a criança começa trabalhar dinâmica social. Entender liderança, entender cooperação. Viver o fato de pessoas diferentes, em momentos diferentes, trabalharem juntas e somarem. Isso não é obvio, e é muito difícil inclusive para muitos adultos. A sala mista ensina a ajudar, o mais velho ajuda o mais novo, o mais novo busca a segurança do mais velho. As idades cooperam e se complementam. Existe troca de estímulo passivo quando o mais novo vê o mais velho trabalhando uma operação matemática, por exemplo, entendendo melhor o propósito da contagem linear. O mais novo entende que é necessário aprender o som das letras para então formar frases, como ele já vê outras crianças fazendo. Um agrupamento misto permite que a sala tenha mais autonomia, permite aprender a ensinar e permite que o educador se torne ainda mais discreto dentro do cenário.
Podemos falar, então, deste pilar de extrema importância, o Adulto Preparado. O adulto preparado é um adulto que entende o protagonismo da criança no seu processo de aprendizagem e sabe quando deve intervir, como deve conduzir esta intervenção, e quando deve simplesmente controlar seus impulsos e aguardar. O adulto preparado é o adulto que observa a criança e entende o que seu comportamento significa, que demandas pedagógicas ou emocionais estão transparecendo em cada atitude.
Como Gabriel Salomão sempre reitera, a principal qualidade de um educador montessoriano é a autoanálise. É impossível nos relacionar bem com o outro, especialmente no papel de educar, sem entender nossos pontos mais ou menos favoráveis, nossos gatilhos, e desenvolver auto controle. Para educar precisamos curar feridas da nossa própria educação, para que possamos ser, portanto, nosso laboratório. Como teria sido minha infância, e minha vida, se o começo dela tivesse sido diferente? O que me machucou, e ainda me machuca? A compreensão do imenso impacto que a comunicação exerce sobre a criança, considerando que comunicação não se restringe apenas ao verbal, e sim uma cadeia de gestos, tom de voz, e intenções. É sutil, é, muitas vezes, inconsciente. O adulto preparado deve se avaliar sempre, e receber com atenção as observações de outros adultos sobre seu trabalho. O adulto preparado não apenas observa, mas entende a importância de ser observado, entende que a mente é um infinito de variáveis conscientes e inconscientes, que devem ser notadas.
O adulto preparado reúne discrição, observação sem julgamento, dedicação, humildade, capacidade de análise e auto análise, e muito encantamento. Em uma sala Montessori o adulto não impõe uma atividade ou uma informação. Quando necessário, ele encanta a criança. As apresentações de novos materiais devem chamar, atrair os alunos. A criança consegue se concentrar em algo quando seu interesse é genuíno e espontâneo. Para que esse interesse nasça com mais facilidade, o adulto tem o dever de encantar. E não é difícil, porque o mundo real já é encantador e maravilhoso, especialmente aos olhos da criança. Cabe ao adulto encantar-se com a criança, repetidas vezes, como se fosse a primeira.
A Autonomia é o pilar mais conhecido de Montessori. Sinto que todos que já ouviram falar de Montessori fazem a associação com Autonomia. Isso é bom, por que representa um valor importante do método, mas por quê? Gosto pensar na autonomia como a cereja do bolo, ou a ponta do iceberg.
Autonomia não é fazer o que quer, quando e como se quer. Autonomia é saber fazer e saber que se pode fazer, conhecendo os limites e consequências dos seus atos. É ter poder sobre si e entender-se como parte de uma comunidade, e responsável por ela. Quando a criança percebe que tem autonomia ela se da conta também da sua responsabilidade. No ensino mais convencional a criança costuma ter um papel passivo. O adulto determina o que ela deve fazer, como e quando. O adulto determina o cai na prova, a lição de casa, os capítulos que devem ser lidos e de que livro, é o adulto que determina qual é o conteúdo que a criança deve absorver e como isso deve ser feito. O primeiro momento em que o aluno pode de fato escolher, planejar e decidir é... no vestibular. Com 18 anos, ele faz sua primeira escolha com consequências reais. E não é de se espantar que a maioria não sabe o que fazer, se sente perdida e extremamente insegura. Com a opção de ser o agente ativo, de escolher, vem a apropriação da responsabilidade pelo seu aprendizado, vem o planejamento e a necessidade de se medir consequências e esforço. Vem a reflexão sobre o propósito da escolha que se faz.
Outro aspecto importante da autonomia é a percepção de capacidade. A criança se encanta pelo que tem propósito, pelo que tem motivo de existir. Ela se interessa pelo que ela vê os adultos fazendo justamente por este motivo. A criança quer varrer, quer cozinhar, quer limpar, quer se vestir, escovar os próprios dentes (ou usar o computador e o celular...) e fazer atividades de Vida Prática justamente porque vê os adultos fazendo e entende que há um motivo para o exercício deste processo. É muito diferente de um brinquedo, por exemplo, que acende luzes e faz barulhos. O brinquedo é algo inicialmente curioso, mas não é interessante à médio prazo, pois não tem objetivo real! Quando damos autonomia para uma criança executar suas tarefas ela percebe-se capaz, percebe que também pode fazer o que os adultos fazem. Quando uma pessoa, independente de sua idade, conquista algo, se dá conta de seu potencial, ela desenvolve sua autoconfiança e sua motivação para arriscar mais, se esforçar mais e conquistar mais. É um ciclo virtuoso de motivação, esforço e conquista. Mas a criança tem que perceber que o esforço e a motivação devem partir dela, assim como a conquista é dela. Então o adulto precisa dar o espaço para a criança poder tentar e errar até conseguir, ela tem que ter tempo para repetir, até dominar. Por ela. O adulto preparado fica à disposição caso a criança o procure, mas ele deve se conter para não interromper a menos que seja absolutamente necessário por questão de segurança.
Ao viabilizar que a criança exerça sua necessidade de autonomia o adulto permite que se construa uma base sólida de autoconfiança e equilíbrio emocional naquela criança. E é em cima dessa base que um intelecto e psiquê saudáveis se desenvolvem.
Conclusão
Para concluir nosso pensamento, gostaria de trazer justamente o quinto pilar, a Concentração. A Criança consegue se concentrar quando todos os demais pilares estão alinhados: quando ela tem autonomia para escolher seu trabalho segundo seu interesse espontâneo, quando o adulto respeita sua capacidade de escolher e executar, quando o ambiente oferece acesso e trabalho que atendem sua necessidade intelectual e física, o que inclui a relação com seus colegas de idades diferentes. A Concentração é o resultado do método. É o sinal de que as coisas estão no caminho!
Mas além de ser resultado, a concentração também é caminho. É o caminho para o aprendizado. Quando a criança está concentrada seu cérebro está trabalhando com fluidez, as sinapses estão acontecendo, a criança esta pronta para aprender de fato. E quanto mais a criança se concentra, mais ela consegue se concentrar, melhor ela entende o caminho para este estado.
O Método Montessori é tão profundo e abrangente que pode ser abordado por diversos aspectos e ângulos. E isso não poderia ser diferente, uma vez que ele é o próprio reflexo da sofisticação e complexidade do cérebro humano. Há que se concatenar intelecto e sentimento, razão e emoção, o ser como um todo, pois é assim que a natureza nos concebeu. E aí mora a Ciência e a Beleza de Montessori.
Aritgo enviado por Mariana Mariana Ruske Arantes Pereira, sócia fundadora e diretora da Senses Montessori School.
Saiba mais sobre a Senses Montessori School
A Senses Montessori School é uma Escola Montessori de Excelência, um centro de referência para democratizar o método no Brasil e proporcionar um ambiente para a criança desenvolver todo o seu potencial. A escola é bilíngue e recebe crianças de quatro meses a seis anos. Os agrupamentos são compostos por alunos de idades mistas, separados em Bebê Cientista (berçário), Cientista Júnior e Cientista Sênior. A locação em cada sala é feita a partir de uma avaliação da maturidade sócio emocional e cognitiva da criança, sendo a idade uma referência média para esta separação.
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