Por Carlos Lavieri, Diretor Executivo da Peak School by Colégio Itatiaia
Anos atrás, tive uma conversa com um potencial parceiro de negócios, para a produção de materiais escolares.
“Vamos brincar um pouco com essa proposta?” – eu disse.
“Eu não estou aqui para brincar”. – Ele respondeu, realmente ofendido.
Acredito que foi aquela frase que atrapalhou a evolução da proposta e a realização no negócio. Aquela noite, eu fiquei tentando entender o que estava por trás daquela reação. Pior, eu entendia completamente a mensagem que ele queria transmitir, mas como trabalhava com educação, não tinha a mesma interpretação que ele, da palavra “brincar”. Ainda assim, me senti mal de ter escolhido essa palavra, me sentia literalmente “um moleque”. Afinal, o que era ofensivo na minha ideia?
Hoje entendo melhor esse diálogo, e usarei o mesmo para explicar sobre a brincadeira, a infância, e a vida adulta. O que eu queria dizer ao falar sobre “brincar com uma proposta”, relacionava-se ao conceito de pôr a ideia a prova, eu queria dizer “vamos produzir algum material, tentar comercializar, ver se funciona, se há mercado, testar a ideia”. Obviamente não era apenas isso, pois havia na minha proposta, o prazer da descoberta, da experiência. Brincar trazia o conceito de viver um processo agradável. Por outro lado, em certa medida, brincar era arriscar-se menos. O que o ofendeu na minha frase, foi o conceito de que eu não estava “levando a sério” a proposta, porque brincadeira, não é coisa séria. Talvez por “levar a sério” ele quisesse dizer: se comprometendo completamente com o a mesma.
Penso que o meu conhecido estava querendo dizer que o projeto tinha de dar certo, enquanto eu, estava dizendo exatamente o oposto, que era mais seguro, correr menos riscos, deixando a fase de maiores riscos, para depois. Do ponto de vista da “utilidade para as crianças”, essa é a principal característica da brincadeira. Ninguém vai ficar pobre porque perdeu no jogo do Banco Imobiliário, ninguém vai naufragar em alto mar, porque o navio imaginário foi atacado por um polvo gigante.
A vida tem consequências, tem riscos. A brincadeira é principalmente uma situação de aprendizagem segura, onde erros podem ser cometidos sem maiores consequências. Filhotes de felinos brincam e jogam entre si, pois as habilidades que desenvolverão nesse processo, são essenciais para o sucesso da vida. No entanto, a seriedade do mundo adulto, parece ainda não ter entendido corretamente essa possibilidade, e ainda pensa que existe a infância “séria”, que faz lição de casa, e se aplica nos estudos, e a infância “não séria”, que brinca de esconde-esconde. Felizmente muitas famílias e educadores, já compreenderam ser perfeitamente possível fazer dos jogos e diversão parte do processo educativo. Compreenderam que a “seriedade” de fazer uma lição de casa, ou estudar para a prova, deve ser entendida também como um processo de tomada de responsabilidade, desenvolvimento de autonomia, aquisição de competências, mais do que como um check list de tarefas a serem cumpridas. Mesmo a “infância séria” é espaço para cometer erros. Há baixo risco em erros cometidos nessa fase.
Esse utilitarismo, por outro lado, é apenas o mundo adulto olhando o mundo infantil. De fato, para muitos, o que separa a brincadeira das outras atividades, é exatamente seu caráter de aparente inutilidade. Como bem dizia Rubem Alves, o brinquedo não é como um martelo ou uma vassoura, pois o brinquedo pertence à esfera da fruição, do prazer, e não dá necessidade. Nesse ponto talvez estivesse a outra diferença de visão entre eu e meu parceiro de negócios. Ele estava disposto a sofrer para fazer a ideia funcionar, e eu estava dizendo que seria possível tirar prazer do processo. Hoje estou certo que o esforço e o empenho não são de maneira alguma antagônicos com a brincadeira. Entendo que realmente, há momentos de necessário sofrimento para atingir alguns objetivos. Por outro lado, entendo que perceber o caráter lúdico da vida, torna esse sofrimento menor. Na vida, é brincando que temos muitos momentos de alegria, e se os adultos não gostam de dar a impressão que brincam, para não deixar transparecer “que não são sérios”, os adultos muitas vezes fazem coisas apenas como um jogo, uma brincadeira. Ninguém veio ao mundo apenas para trabalhar e fazer coisas úteis, e ambientes de trabalho em que só se trabalha, são apenas deprimentes.
Não é acidente que a maior parte das risadas vem quando “brincamos” com as palavras ou com as expectativas. O humor e a brincadeira estão profundamente relacionados. A maior parte das atividades recreativas, como andar de bicicleta, o mergulho submarino, o surf, o passeio no parque, o desafio de escalar uma montanha, são divertidas porque se assemelham com a inutilidade do brincar, mas exigem esforço e dedicação. As vezes ainda penso nessa conversa de anos atrás, e penso sobre como encaro as tarefas do dia a dia na escola. No final, a proposta não prosseguiu. O jogo está nas relações humanas o tempo todo e se nossa possível parceria era um jogo, não progrediu e perdemos ambos. Muitos se referem as relações de amizade ou amorosas como um jogo. Infelizmente, muitos pensam que se trata de um jogo finito, do tipo com um vencedor e um perdedor, e não precisa ser dessa forma. Há outros tipos de brincadeiras e jogos e se quer saber mais sobre isso, recomendo o livro: “Jogos Finitos e Infinitos de James Carse.
Por Carlos Lavieri, Diretor Executivo da Peak School by Colégio Itatiaia.
Saiba mais sobre a escola Peak School by Colégio Itatiaia
Escola de educação integral bilíngue do Ensino Fundamental do Colégio Itatiaia, localizada no bairro Bela Vista em São Paulo.
Uma escola acolhedora e flexível que motiva suas crianças respeitando cada um em sua individualidade e os incentivando a serem protagonistas de seu próprio aprendizado. São 3400 m² de espaço com extensa área verde no centro da cidade, à 3 quadras da Avenida Paulista.
Comments